Consultório de Perda Gestacional
Espaço de partilha com objectivo de diminuir a falta de informação técnica e emocional a mulheres que vivenciam o luto da perda de um bebé ao longo da gravidez, bem como quebrar o Pacto de Silêncio resultante de todo esse processo de luto na Perda G
A Dor
"Sonhei que também perdia o meu bebé. Sei que me afeiçoei a ela, vivi tudo com ela. Mudei a minha vida por ela. Comprometi tudo por ela. Dei tudo por ela. Já nem sabia viver sem ela. Era o meu sorriso, a minha força de vontade, o meu querer, o meu desejo, a minha fortuna, a minha busca, a minha razão de viver, a minha alegria, o meu esforço, o meu trabalho, o meu sonho, a minha vida, era eu mesmo, o meu pulsar, a minha respiração, o meu andar e o meu pensamento. Sei que teve de ser, mas é uma dor imperdoável, um castigo pelo que eu sou. É uma dor tão intensa, meu Deus. Sinto-me numa lama viscosa, num poço sem fundo e escuro por onde rolo ou caio num abismo que afinal nem sei se o construí. E dói, dói ser irreparável, irreversível. Não é uma mentira, é uma realidade da qual já não posso fugir. Sinto a perda como um conflito entre o desejo da posse, da existência ou da concretização de alguém e o não concretizar, definitivo, irreversível e irremediável, desse desejo. Sentido como fatalidade que me atinge violentamente, dispara-me um sofrimento mental e orgânico tão intenso que me paralisa e me surpreende, que se abate súbito sobre mim, sem eu contar, que me atinge, me fere e destrói. É um sofrimento que vive de um conflito interior, mental e violento, de emoções e sentimentos, onde refaço um percurso, avalio os actos e as consequências, à procura das minhas falhas, dos meus erros e das minhas culpas, e procuro mil e uma soluções, compromissos, cedências, mentiras, desculpas, eu faço tudo para o tentar impedir, mas afinal já aconteceu."
Drº. Mário Sousa, In Pacto de Silêncio