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"ainda não consegui ultrapassar nem deixar de me sentir culpada"

Quinta-feira, 09.03.17

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"Quando descobri que estava grávida da Madalena em Novembro de 2014 namorava apenas à 2 meses,mas apesar disso  foi uma alegria enorme para mim e para o pai. Tinha 31 anos não era uma miúda por isso não tive qualquer dúvida em seguir para a frente... Dizem que é mau agoiro pensar que algo vai correr mal mas desde o inicio senti que alguma coisa poderia acontecer e pedi a todos que se tivessem que escolher entre mim e a minha filha optassem por ela...

 Antes mesmo de fazer a 1ª eco (coincidência ou não a consulta tinha sido desmarcada nessa mesma semana), no dia 19 de Dezembro tivemos um acidente de automóvel, o carro foi para a sucata mas, não ficou "ninguém mal, é o que importa" dizíamos na altura.... fui para o hospital de Évora desde o primeiro minuto pensei no meu bebe se, por uma teimosia minha porque não precisava ter feito aquela pequena viagem a Évora, teria posto em risco o meu bebé. Depois de algumas horas há espera e de os médicos terem sido atenciosos por estar nervosa e estar no inicio da gravidez finalmente conheci a Madalena, na altura nem sequer sabia se era uma ou um mas era meu, era o meu bebe... e quando ouvi o coração bater parece que tudo fez sentido....o meu bebé estava "bem". A médica disse na altura que era tão pequena que nunca poderia ter sido afetada pelo impacto.

 Em Março resolvemos casar já tinhamos a nossa casa e era altura de fazer o "ninho" para o nosso bebé, tivemos muita ajuda dos meus pais de dos meus sogros nunca fiz grandes esforços, pelo menos no que toca a vida familiar, já no trabalho embora tivesse recebido ordem do médico da companhia para ser colocada nas caixas, uma vez que trabalho num supermercado, essa ordem não foi cumprida e passei os 8 meses de gravidez de pé a andar de um lado para o outro. No dia 20 de Março de 2015 tivemos a certeza de que era uma princesa embora sempre nos tivéssemos referido ao bebe como "ela", instinto, talvez. A partir dai era rosa, rosa, rosa.....

 Estava tudo bem, corria as mil maravilhas, nem um enjoo desde o inicio, a Madalena era pequenina mas estava tudo bem. 

No inicio de Junho começava a andar cansada os pés inchavam muito mas também passava o dia em pé... Fui ao médico diagnosticaram-me um trombocitopenia, diziam que era derivado do by-pass gástrico que tinha feito em 2011, e que estava com poucos líquidos, nada de preocupante segundo a médica, era só controlar beber muita água. No dia 16 de Junho de 2014 entrei de férias e depois a médica disse que já era tempo de ir para casa descansar, mais ou menos por volta da 2ª semana de Julho não senti a Madalena mexer durante muitas horas e comecei a entrar em pânico felizmente o meu marido lembrou-se " come chocolate, a médica disse que resultava...." e resultou a Madalena mexeu-se mas nunca mais fiquei descansada.... quando passava 2h sem se mexer começava a entrar em "stress", "calma, é normal tu és baixinha tens a barriga pequena a menina não tem espaço para se mexer" diziam... comecei os CTG's tinham sempre que me dar um rebuçado porque segundo as enfermeiras a Madalena estava a dormir e era preguiçosa..... 4 CTG e nada de contrações. 

 Dia 18 de Julho a minha médica disse-me se até dia 25 de Julho não acontecesse tinha que estar no hospital as 8 da manhã para me provocarem o parto.

 Dia 21 terminei o tempo e nada... no dia 23 o meu cunhado chegou, e disse " a minha afilhada estava a éspera do padrinho para nascer"....jantamos todos juntos nesse dia pais sogros irmão e nos. N altura estavamos na casa da minha sogra porque o meu marido não tinha a carta e caso acontessece durante a noite estavamos resolvidos por volta das 3h da manhã acordei com uma vontade enorme de ir a casa de banho e as 4h estava novamente mas deitei um bocadinho de sangue acordei o meu marido e o meu cunhado e fomos para o hospital cheguei ao hospital por volta das 6,30 entrei e eles ficaram na sala de espera e eu fui para a maternidade e começou o pesadelo senti qualquer coisa "rebentar" e fiquei cheia de sangue. A enfermeira veio mediu os batimentos, 105 nunca vou esquecer este número, e ouvi- a ao telefone " dra tenho um possível decolamento de placenta de tempo com grave hemorragia" em 5min tinha 10 pessoas a minha volta "vai correr tudo bem, não tarda tem o seu bebé tem que estar calma", lembro-me de entrar no bloco mais nada, a Madalena nasceu as 7,24h do dia 24 de Julho de 2015. Acordei penso eu por volta das 9h com a médica,  a quem devo a vida, Dra Isabel Campião a dizer tenha calma esta tudo bem " onde está o meu bebé, quero o meu bebé, por favor tragam-me o meu bebé" era só o que dizia e ela calmamente e com uma certa ternura disse " infelizmente não conseguimos salvar o bebé" e o meu mundo acabou os meus sonho, planos tudo ficou destruido só queria morrer e ir ter com a minha princesa. Nesse dia não conseguia encarar o meu marido sentia-me culpada por o que tinha acontecido esla estava dentro de mim porque não a consegui proteger... pedi que fosse a minha mãe a ficar comigo e as enfermeiras deixaram que dormisse lá. No dia seguinte implorei que me deixassem vir embora aquele choro dos bebés a toda hora estava a fazer-me mal pensei, com egoísmo, porque é que se eu não tinha o meu porque é que tinha que ouvir os outros, tive alta e vim para casa. Chorei todo o fim de semana... na 4ª feira tive que voltar a maternidade para mostrar pontos e no caminho recebo um telefonema da morgue, tivemos que ir assinar uns papéis uma vez que doamos os tecidos para estudo o hospital responsabilizou-se pelo enterro, mais um dia de pesadelo a nossa menina a poucos metros de nós e nem sequer tínhamos visto como ela era" é melhor não a verem senão vão ficar sempre com aquela imagem apenas precisam saber que era linda e perfeita" disse-nos a médica. Durante semanas acordei durante a noite e jurava que ouvia um bebé chorar....

    No dia 1 de Novembro voltei ao trabalho estava revoltada precisava de arranjar um culpado para tudo o que aconteceu senti que toda a gerencia era culpada por não ter cumprido as ordens do médico e eu ter estado sempre de pé, sem ter descansado mas acima de tudo culpava-me a mim, a culpa era minha não tinha conseguido proteger a minha filha.

   O meu marido demorou meses até conseguir dizer o nome da Madalena, sofreu para dentro durante muito tempo para eu não ver (pensava ele), eu agradeço até hoje a uma grande amiga com quem fizemos tratamentos de Reiki, e que nos ajudaram a deixar a nossa filha partir, e quando ela partiu tivemos a melhor recompensa de sempre.

 Em Fevereiro de 2015 fui a consulta da Dra Isabel porque precisava de saber o que tinha acontecido as coisas ainda estavam muito confusas, mas sobretudo fui porque tinha feito um teste de gravidez que deu positivo e confirmou-se estava grávida novamente! Fui seguida com muito cuidado pela Dra Isabel e pela Dra Marina do Vale na Fetus, a quem recomendo sempre, e lá estávamos nós outra vez à espera de mais uma menina, foi uma gravidez " calma, com a corda no pescoço e com muito medo", aos 7 meses de gravidez vim para casa descansar e tudo de novo trombocitopenia e poucos líquidos, pensei "outra vez não". Ficou decidido logo no inicio que era cesariana as 38 semanas e assim foi, no dia 15 de Setembro as 9,38h da manhã tínhamos finalmente a nossa princesa Mariana connosco saudável e linda....

  Hoje a Mariana tem quase 18 meses e sei que tem um anjinho da guarda que zela por ela a toda a hora, tem sido uma criança absolutamente saudável e é muito independente mas também muito "mimenta". É a nossa rainha cá de casa e embora não preencha o vazio da mana dá-nos motivos para viver todos os dias...

 

É assim o meu testemunho ainda não consegui ultrapassar nem deixar de me sentir culpada pelo que aconteceu à Madalena e duvido que alguma vez deixe de me sentir assim, mas a vida continua e a Mariana precisa de mim e sei que a Madalena gostaria que assim fosse...

 

 

um beijo da mãe que te vai amar para sempre 

 

Eva Cavaco"

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publicado por Associação Projecto Artémis® às 15:00






Espaço de partilha com objectivo de diminuir a falta de informação técnica e emocional a mulheres que vivenciam o luto da perda de um bebé ao longo da gravidez, bem como quebrar o Pacto de Silêncio resultante de todo esse processo de luto na Perda Gestacional.


Direcção A-PA

projectoartemis Sandra Cunha, Psicóloga desde 2005 da Associação Projecto Artémis, tem vindo a desenvolver o seu trabalho desde essa data na área da Perda Gestacional. Desde Junho de 2011 está como Presidente da Associação Projecto Artémis, procurando quebrar o silêncio, alienado o seu conhecimento técnico com o da realidade da perda de um filho. Perdeu um bebé em 2007, após 2 anos de trabalho como psicóloga da Artémis, o que lhe permitiu reunir à técnica o conhecimento árdua de ter vivido na pele a perda de um filho.

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