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(Des)umanização dos serviços de saúde

Quarta-feira, 06.12.17

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Diariamente ouvimos falar na humanização dos serviços de saúde, contudo e infelizmente não é isso que se verifica.

Não é suposto haverem juízos de valor por parte de qualquer técnico ou médico na área da saúde, não é suposto os utentes sairem de uma consulta a sentirem-se culpados, criticados ou humilhados.

Este é apenas um dos muitos relatos que nos chegam diariamente.

"Dia 23 de Novembro 2017

1ª consulta de PMA (Procriação Medicamente Assistida)– MAC (Maternidade Alfredo da Costa)

- Marcada para as 10:30, por questões de trânsito e estacionamento só conseguimos entrar na MAC pelas 10:40.

- O Serviço de PMA encontra-se em obras, pelo telefone quando marcaram a consulta, não nos informaram, perdemos ainda mais tempo, admissão no rés-do-chão, a porta está fechada só tem um papel à porta a informar que ali são as instalações provisórias de PMA. Não há sistemas de senhas, é um local de passagem, não há bancos de espera, não se percebe quem está para PMA ou para outra coisa qualquer.

- A porta é de molas abre para os 2 lados, de forma a perceber se estava no sítio correto, bati e espreitei, logo uma administrativa “tem que aguardar lá fora e esperar a vez”… Voltei para fora, qual vez? Não há senhas… Não há filas… Só pessoas espalhadas pelo átrio… fiquei a observar, qual experimento social… Tive que andar a perguntar às pessoas que estavam pelo átrio se estavam para o mesmo.

- Chegou a minha vez, e iniciei o processo com a administrativa. Perguntou pelo meu marido, disse-lhe que me tinha deixado, uma vez que já estávamos atrasados e assim eu poderia adiantar a parte da admissão… “trouxe as copias dos cartões de cidadão?”, não me tinham informado que era para levar… mas prontamente a senhora se ofereceu para fotocopiar e continuamos com a parte mais burocrática, praticamente com a senhora a clicar no teclado do computador e eu a olhar, mas até aqui tudo “normal” passados 2 minutos, levanta os olhos do teclado e exclama com arrogância “Mas o marido ainda está a estacionar?”, eu nem sabia o que havia de responder… tinham passado 2 minutos que estava sentada à frente dela, não mexi no telemóvel sequer, como sabia eu se ainda estava a estacionar? E mesmo que já tivesse estacionado e mesmo que já estivesse no átrio, como sabia ele onde eu estava e se podia entrar? Tal como eu duvidei quando cheguei?... Mandou-me sair e quando o marido chegasse para informar… Entretanto ele chegou e tive que aguardar que as pessoas que entretanto estavam a ser atendidas que saíssem para voltar a entrar e foi então que uma senhora auxiliar muito simpática (por incrível que pareça foi das profissionais mais competentes (dentro da sua competência) que encontrei nesse dia) nos acompanhou ao primeiro andar, onde efetivamente seria a tão ansiada consulta. Quando chegamos o corredor estava praticamente cheio de casais. Fomos o último casal a ser atendido (de todos os que vimos à espera) posso dizer que saímos da MAC quase às duas da tarde… Mas não nos vimos no direito de achar estranho porque efetivamente chegamos ligeiramente atrasados e ficamos para o fim da lista.

- Quando a doutora nos chamou, não gostei da postura dela, sempre a murmurar reclamações face ao funcionamento da instituição (penso que se estaria a desculpar de alguma forma a sua má disposição, ou justificar os atrasos), postura que achamos muito pouco profissional e ética, em momento algum nos pediu desculpa pelo funcionamento, pelo atraso, até se podia “apoiar” na desculpa das obras, mas nem isso.

Mas até aqui, apesar de não gostarmos de algumas coisas, estamos no SNS, um serviço tendencionalmente gratuito, e que todo o cidadão sabe que de alguma forma alguns pormenores fogem ao controlo e à decisão dos profissionais que todos os dias lá trabalham… Mas o pior estava para vir, obras e mau funcionamento do sistema à parte, a senhora doutora poderia balancear todos esses pontos negativos vividos até ao momento e terminar a consulta com chave de ouro.

Consultas de PMA, na minha perspetiva, são consultas que de alguma forma requerem alguma sensibilidade dos profissionais que lá trabalham, muitas vezes os casais chegam fragilizados, ansiosos, com uma mão cheia de esperanças.

Resumo da consulta: colheita de dados, aparentemente para uma avaliação inicial/construção de história reprodutiva… Parecia que estávamos em frente a uma máquina, “profissão, “idade” (quando dissemos as idades 30 e 31 fez-nos um olhar fulminante, presumo que nos achasse novos, não sei, para mim a linguagem corporal e facial disse tudo), “altura”, “peso”, “menstruação” (menstruação? eu sabia o que ela queria perguntar, era a idade com que tive a primeira menstruação, mas não perguntou, fazia só metade das perguntas… e ia respondendo e os nervos a começar a crescer dentro de mim), “já esteve grávida”, lá lhe respondi que sim, mas que tinha perdido, ela a escrever “ah, aborto espontâneo” e eu “não aborto retido” (não perguntou se essa gravidez tinha sido com o mesmo parceiro que tenho agora (podia não ser…).

Perguntou qual o nosso grupo sanguíneo, eu já estava nervosa, estava cansada porque tinha trabalhado no turno da noite, tive um lapso de memória, mas respondi O+, mas tenho aqui as análises que posso consultar… “Enfermeira e não sabe o grupo sanguíneo”? e com aquele olhar acusatório… Enfim…

Perguntou se tomávamos alguma medicação, eu disse que não, mas que o meu marido sim (Isotretioína – medicação para o acne)… Ela parou tudo e com ar arrogante e bruto e com um tom de voz acusatório disse que essa medicação causava aborto! “Então abortaram estão a tentar engravidar e tomam medicação dessa???” Senti-me culpada de uma coisa que não tenho culpa… Nesse momento ela pareceu que não quis ouvir mais nada do que tínhamos para dizer, explicamos que tínhamos falado com o dermatologista sobre esse assunto, ele disse que era seguro que a afetar poderia afetar o feto e o feto só estaria dentro da mulher, só a mulher não poderia tomar esse medicamento e que a bula também o confirmava… Na bula do medicamento, apenas existem advertências ao consumo por parte de mulheres e nunca de homens, e o meu marido também toma a dosagem mais reduzida possível. Ela não quis ouvir mais nada, não quis saber de dosagens nem a opinião do colega dela… e com ar arrogante diz que o medicamento afeta gametas e que o homem tinha gametas, eu disse-lhe que não, que afetava o feto e não gametas… O que eu fui fazer! “Atirou-se” a mim mais uma vez que como enfermeira deveria “saber” mais, e que nós fazíamos o que quiséssemos, mas que se ela pessoalmente estivesse na nossa situação não tomava medicação nenhuma, até porque “essa” medicação não era “importante” no sentido de ser vital presumo…

Não estou contra a opinião dela e conhecimento, estou contra a postura e forma como falou, senti-me ofendida, diminuída… Explicou de forma automática uma vez mais que tendo em conta os dados seríamos candidatos a inseminação artificial, e isso seria na melhor das hipóteses daqui a 6 meses, se não corresse bem seríamos propostos para FIV e a lista de espera para FIV era de no mínimo 1 ano, segundo ela esta informação era para nós saber com o que contar, deu-nos a prescrição para análises e espermograma (porque o espermograma que levamos era do laboratório do H. da Luz e ela não gostava dos espermogramas do H. Luz…) e levantou-se disse até à próxima consulta)… Mais nada…

Saímos… O meu marido foi a uma outra sala porque tinha um colega de trabalho a realizar uma manutenção a um equipamento (o meu marido é técnico de electromedicina, numa multinacional independente a instituições hospitalares, só fazem prestações de serviços…), e eu fiquei à espera, um pouco desviada já do gabinete médico… Entretanto a médica passa e viu-me ao longe e perguntou o que estava ali a fazer, porque não estava na consulta de enfermagem! Mas com um tom e um ar que eu era completamente irresponsável… Consulta de enfermagem? Qual consulta de enfermagem? Ninguém me disse que tinha mais alguma coisa para fazer… Fui à tal sala em que o meu marido estava e perguntei-lhe se a medica nos tinha dito para ir ter com a enfermeira (podia me ter escapado por algum motivo), ele também não ouviu nada nem sabia de nada… Nós é que teríamos que adivinhar (acredito que outros casais já saibam, mas nós foi a primeira vez…)… Estava com tantos mas tantos nervos, que não consegui falar na consulta de enfermagem, comecei logo a chorar compulsivamente, porque me tinha sentido verdadeiramente ofendida e diminuída… Aí a senhora enfermeira fechou a porta (sim, estava aberta…) e tentou acalmar-me e tentar perceber no que podia ajudar… Aparentemente entendeu e tentou amenizar a situação, mas ao mesmo tempo, quando lhe falei em apresentar queixa ela de alguma forma “incentivou” a que o fizesse, porque normalmente as pessoas que apresentam queixa não sabem usar as palavras e nós como casal “diferenciado” poderíamos fazer-nos ouvir de outra forma e a nossa queixa poder ajudar casais no futuro que passam pelo mesmo… E deu-nos o nome da médica, porque ela não se tinha apresentado na nossa consulta…

Resumo de sentimentos da 1ª consulta de PMA – MAC ofendida, diminuída, insignificante e humilhada, pela forma fria, desumana e mecanizada com que fomos atendidos."

Por motivos de proteção desta utente não a iremos identificar.

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publicado por Associação Projecto Artémis® às 12:02






Espaço de partilha com objectivo de diminuir a falta de informação técnica e emocional a mulheres que vivenciam o luto da perda de um bebé ao longo da gravidez, bem como quebrar o Pacto de Silêncio resultante de todo esse processo de luto na Perda Gestacional.


Direcção A-PA

projectoartemis Sandra Cunha, Psicóloga desde 2005 da Associação Projecto Artémis, tem vindo a desenvolver o seu trabalho desde essa data na área da Perda Gestacional. Desde Junho de 2011 está como Presidente da Associação Projecto Artémis, procurando quebrar o silêncio, alienado o seu conhecimento técnico com o da realidade da perda de um filho. Perdeu um bebé em 2007, após 2 anos de trabalho como psicóloga da Artémis, o que lhe permitiu reunir à técnica o conhecimento árdua de ter vivido na pele a perda de um filho.

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